domingo, 21 de novembro de 2010

Pranteio


Pranteio os que foram abandonados.

Porque esqueceram de si mesmo.

Porque os olhos já não vêem a luz solar.

E a boca murcha perdeu dentes.

E as palavras se atropelam na garganta.

O rosto cheio de sulcos.

O riso meio louco.

E os gestos vazios sem sentido.

As vestes sem modelos.

Os cabelos em desmazelo.

Alvos, brancos, nuvens de neves.

O cheiro da velhice que cisma contra o banho.

Medo da dor nos ossos.

Pranteio os que foram esquecidos.

Em suas histórias contadas setenta vezes sete.

E a mesma risada para a antiga piada.

A tristeza pelo suco derrubado à mesa.

Pelo engasgo constante com a comida.

Pelo silêncio constrangedor a sua fala.

Pranteio com eles.

Pela vida que já tão comprida se torna curta.

E temem pelo que vem.

Sem terem a certeza de para onde vão.

E clama pelos irmãos que partiram.

Pelos pais que já há muito seguiram.

E que no leito, no seu último dia parecem clarear a mente.

E conversam conosco como há muito não faziam.

E apontam: veja minha Mãe, minha irmã Maria!

E com um sorriso de harmonia.

Desencarnam em alegria.

2 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Gostei do poema.
É excelente.
A velhice vista pela Conceição é muito poética...
Um beijo.

Runa disse...

A velhice vista de uma forma metafórica, num poema muito bem conseguido. Parabéns pela inspiração.

Abraço