Minha boca.
Quando nasci minha boca era grande
Cobria quase todo meu pequeno rosto
Ficava feio e engraçado
Acho, que a minha mãe deu desgosto.
Cresci, cresceu a boca e os dentes.
Grandes como a caverna que os guardavam.
Branco como leite (eram de leite)
E aos poucos caíram de maduro
Feito fruto do pé.
Adoleci (se tem por aí esse termo)
Falava pela boca e cotovelos
Ria de tudo e ria com todos
Uma grande boca risonha
Com dentes de coelho.
Amadureci.
Aprendi a fechar a boca.
Porque falar era errado.
Já não era tão grande minha boca
Faltavam-lhe exercícios e ela murchou.
Envelheci
Foram-se os dentes como flores mortas após primavera.
Minha grande boca novamente abriu
Sem dentes próprios é verdade
Mas, uma linda perereca.
E novamente a língua solta
O riso solto
Já não devia nada a ninguém
A fala saiu mansa e verdadeira
A velhice fez à asneira
De fazer -me dizer minhas verdades.

Vieram.
Eles vieram
Escorados, amparados, sustentados
Frágeis como folhas outonais.
Doentes, dementes, sem mente.
Semente que murchou.
Olhos vidrados, estáticos, sem brilho algum.
Perdidos sabem-se lá donde, quando, em que situação.
Murmuram, choram, gritam, clamam socorro.
Em suas almas medo, dor, terror.
Já não participam da história como viventes
São os que partiram pela metade
E esperam desesperadamente o socorro
Vindo de casas simples
Pessoas simples
Que desejam ajudar
Emprestando o corpo, a fala, a mente, o coração
Para que eles possam dissertar
Sobre tudo que passam
Uns reclamam,
Outros choram,
Alguns se descobrem mortos e vivos,
Desabafam,
Reiteram a vontade de vingança,
Ouvem os ensinamentos do mestre.
Recebem a Luz do Divino.
Ajuda da espiritualidade.
E se vão.
Mais tranqüilos,
Sossegados,
Carregando no coração
Uma esperança:
De serem por Deus abençoado.

Oração
Jejum
Genuflexão
Perdão
Contentamento
Expiação
Negação de si
Encontro
Misticismo
Meditação
Concentração
Reflexão
Caridade
Verdade
Visão
Júbilo
Êxtase
Leitura
Mudança
Atitude
Bondade
Carinho
Alteridade
Tanta coisa
Quando bastava
Amar a tudo
De verdade.

Ave
A todos os césares
Ave a todos os tribunos
Ave a todos os senadores
Ave aos cidadãos de Roma
Ave aos párias romanos
Ave aos soldados invencíveis da loba da história
Ave
Assim, o mundo saúda os conquistadores
Os donos de toda a terra
Com suas botas e suas espadas
Suas mulheres vadias
Seus políticos corruptos
Ave, ave, ave
Pilatos, Pôncio
Que lavastes as mãos
Ave Barrábas que não conhecia seu crime
Seu papel na peça da redenção
Ave ao povo que gritou Jesus
E o condenou a cruz
A visão pretérita dos profetas
A pedra rejeitada
Que sustenta a construção de um novo mundo.
Plantas e reclamas.
Reclamas de tua solidão.
Reclamas de traição.
Reclamas que te esqueceram.
Reclamas que teu telefone não toca.
Reclamas os amigos que sumiram.
Reclamas os filhos que não te visitam.
Reclamas da tua velhice.
Reclamas, reclamas, reclamas...
Só não reclamas da tua tolice
Que plantou por toda vida as sementes
Da falta de amor, de compreensão, de alteridade, de compaixão e amizade.
O que hoje te falta em frutos de felicidade.

Descompasso.
Bate um coração descompassado
Um pedaço, pela vida, retalhado.
Um ser amoroso estraçalhado
Pela dor da solidão.
Bate em ritmo errado
Um instrumento sem sintonia, sem passado
Que viveu escondido, acuado.
Pelo medo de amar e não ser amado.
Agora só
Repousa intranqüilo num corpo gélido
Numa cama branca de hospital
Sem outro coração a acompanhá-lo.

O céu emudeceu
Encheu-se de pó
E escuridão
Não há sequer um sorriso
Só choro
Gritos de desespero
Corpos queimados
Destruídos
Estupidamente desintegrados
Pó humano
Cinzas de homens expostas ao vento mortal
Crianças que não entendem porque estão sem pele
Mães que não querem pari monstros disformes
Espíritos que não conseguira desabrochar para uma nova vida
Não, não há cantos nos céus
Diante de tanta barbárie
Calaram-se os anjos
E ao barulho do cogumelo radioativo
Frente ao hediondo perpetrado
Até os demônios também emudeceram.

Certeza tenho.
Existe tanto amor em mim
Certeza tenho.
Contudo escondido estar.
Em profundos abismos da alma
Onde não consigo penetrar.
Vez, algumas, explode como um gêiser
Inundando a alma, o corpo, as mãos
Sou feliz, como nunca o fui então.
Esse amor é Teu
Tu o desses para mim
Com uma única condição para usá-lo
Ele descobrir
Entre as pedras, nos caminhos, nos espinhos
Dividindo o que tenho
Sem às vezes ter nem para mim
E está lá
Escondido, esperando-me, eras e eras
Esse tesouro imensurável
Que me fará uma abençoada
Onde eu estiver
Na lama ou no palácio
Nas ruas ou no catre prostrada
Acompanhada ou sozinha
Serei eternamente feliz
Pois, encontrei Teu amor comigo.
E eu em Ti.
Não acredite em mim
Quando te digo amo
Sussurrando em teu ouvido.
Não acredite em mim
Quando olhos nos teus olhos
E pareço está a ver o Universo.
Não acredite em mim
Quando tento te confortar
De todas as dores do mundo.
Não, não acredite em mim
Quando afirmo que morreria por ti
Sem nenhuma dúvida.
Não, não acredite em mim
Quando juro que te amarei eternamente
Onde quer que esteja.
Não, não acredite em mim.
Quando assevero que mesmo indo
Estarei contigo.
Não, não acredite em mim.
Não é essencialmente necessário que acredites
Imprescindível que eu o faça.
É a poeira do tempo
Levantando a solidão, o isolamento construído no tempo.
Espalhando lembranças, amarelas, rotas, estáticas.
Arrastando o que resta da memória.
Pequenos instantes de felicidade que achava inúteis.
Levando os últimos e únicos sorrisos.
Submergindo, escurecendo o rosto dos poucos amigos que restaram.
Apagando as aventuras da mocidade.
Os amores infantis, os beijos roubados, com consentimento implícito.
Tornando esquecível o inesquecível.
A pipa no ar, os banhos de rio, o deslizar nas pedras da cachoeira.
As corridas de pangarés.
A caça as tanajuras.
As mãos de mãe nos meus cabelos.
A voz forte do meu pai a chamar-me.
Meus incontáveis irmãos e irmãs sentados a mesa.
Única hora de silêncio.
É o vento do tempo passado
Que nos presente faz com que esqueça
Até quem sou eu.